terça-feira, 5 de julho de 2011

Superguidis 2002 - 2011


texto originalmente publicado no Scream & Yell


“A @Superguidis informa que encerra suas atividades, por interesses pessoais que conflitavam com os da banda.” Foi com esse tweet, do dia 23 de junho de 2011, que a Superguidis, uma das melhores bandas de sua geração, anunciou o fim dos trabalhos.

Em 2006, a revista Bizz, em uma de suas voltas, dessa vez sob o comando de Ricardo Alexandre, publicou uma espécie de guia intitulado: “13 Nomes Que Realmente Importam No Novo Rock”. Eram 10 internacionais e 3 brasileiros. Dos gringos, o único que realmente vingou e se tornou “grande” foi o Arctic Monkeys. Alguns tiveram seus momentos e continuam na ativa, como Wolfmother, Guillemots, We Are Scientists, Clap Your Hands Say Yeah e Hard-Fi, outros não tiveram muita visibilidade nem na época, como Hal, Los Alamos e Stephen McBean, por exemplo.

Entre os brasileiros, o Moptop foi bastante incensado naquele contexto, mas teve uma incursão não muito bem sucedida no mundo das grandes gravadoras. Com dois discos gravados, continua em atividade. O Supercordas manteve-se no underground e sustenta ainda um grande número de admiradores enquanto prepara um aguardado segundo disco. O último nome era de um tal de Superguidis, grupo gaúcho de Guaíba/Porto Alegre.

O texto da Bizz recomendava as músicas “Malevolosidade” e “Discos Arranhandos”. Na descrição dizia que o grupo era como uma mistura de Foo Fighters, Guided By Voices e Los Hermanos. Ouvindo “Malevolosidade” e pensando em um misto do lado mais power pop dos barbudos (“Cara Estranho”, por exemplo) com alguma guitarreira grudenta de Dave Grohl, até fazia sentido. Bastava, no entanto, ouvir o disco de estreia inteiro para ver que a língua falada ali tendia muito mais para o Guided By Voices.

Guitarras hora furiosas, hora dissonantes contornavam letras de temática adolescente cantadas com tanto potencial melódico que, ainda hoje, são difíceis de esquecer. Andrio Maquenzi (voz e guitarra), Lucas Pocamacha (guitarra), Diogo Macueidi (baixo) e Marco Pecker (bateria) traziam para língua portuguesa, sem perdas no percurso, um universo dos anos 90 povoado por Pavement, o já citado Guided By Voices, Yo La Tengo e outras bandas.

As letras do primeiro disco, auto-intitulado, são curtas e tratam de assuntos cotidianos de forma despojada, beirando o cafona: “olha o que eu trouxe pra enfeitar / maravilhosamente o seu lar/ paguei baratinho no mercado / e to pensando em colocar no quarto ao lado”, cantam em “Spiral Arco-Iris”.

No segundo álbum, “A Amarga Sinfonia do Superstar”, as guitarras aparecem mais encorpadas e a voz de Andrio potente como nunca. As letras ganham um tom levemente mais sério, o que desagradou uma parte da crítica. Disseram que a banda perdeu o frescor do debute e “amadureceu” demais. Embora o disco tenha realmente uma atmosfera mais melancólica, não é difícil encontrar lampejos do despojamento de antes nas letras: “Pra não estressar/ não esbranquecer os cabelos / e depender a vida toda de Wellaton”, dia a letra de “Apenas Leia”.

A música “Os Erros Que Ainda Irei Cometer” traz um verso que simboliza bem a forma como o grupo foi, de fato, amadurecendo, mas sem perder a aura jovial do início: “Pelos becos amontoados de silêncio / penso nos dias que ainda tenho pra viver / bicicletas aro 15, tênis com cheiro de chiclete / são o bastante pra me lembrar desses anos que voam sem parar”. Coincidentemente, ou não, várias músicas do disco resvalam na temática do passar do tempo, da nostalgia. A festeira “Riffs”, resgatada do início da carreira, surge como faixa escondida e funciona como um “não se desespere, ainda somos os mesmos”.


No terceiro álbum, novamente homônimo (mas conhecido por “3”), lançado em 2010, o início com a balada acústica “Roger Waters” choca. Mas por pouco tempo. Após 2 minutos e 11 segundos “Não Fosse O Bom Humor” traz possivelmente as guitarras mais altas da carreira dos gaúchos. O contraste das duas primeiras músicas dita a tônica do disco: guitarras altas e um mergulho ainda mais profundo na melancolia iniciada no trabalho anterior. O que aponta “A Amarga Sinfonia Do Superstar” como um disco de transição. Em 2010 a banda se mostra equilibrada, segura de si e, por que não, madura.

“Visão Além Do Alcance”, “Roger Waters” e “Aos Meus Amigos” trazem violinos. “As Camisetas” começa com ritmo truncado e cai no refrão que evoca comédias românticas pop: “Por que será que sempre chove toda vez que alguém te abandona?”. “Quando Se É Vidraça” e “Fã-Clube Adolescente” são mais rápidas e agitadas, ou como os próprios guidis definem: são “pau dentro”. “De Mudança”, do meio em diante, é Alice In Chains puro. “Casablanca” retoma o vigor enquanto “Nova Completa” traz altas doses de melancolia, mas nada comparado a “O Usual” com seu refrão corta-pulso: “De repente o medo de morrer sozinho me incomoda mais que o usual”.

A última música do disco, “Aos Meus Amigos”, não só resume o álbum, mas traz elementos presentes por toda a carreira da banda. Versos que remetem ao primeiro trabalho: “E a simplicidade de quem tem / um par de tênis furado”; a melancolia introduzida em “A Amarga Sinfonia do Superstar”; e a fusão entre guitarras e arranjos de cordas do terceiro. Tudo isso sem contar o belo refrão, outra marca do grupo. Uma maneira bonita, mesmo que inconsciente, de encerrar as atividades.

A Superguidis conseguiu captar como poucos o espírito adolescente em três discos. Para alguns, refletiram uma aura já não existente, saudosista. Mas é preferível pensar que eles traduziram o sentimento que poderia ser vigente na juventude atual. Um último EP, “EPílogo”, foi colocado para download gratuito na Trama Virtual com versões demo e ao vivo de faixas que iriam compor um novo lançamento do grupo, mas que ficaram pelo caminho atropelados pela incerteza do cenário independente.

Em entrevista à revista Rolling Stone, Andrio Maquenzi disse que a decisão pelo fim da banda foi tomada sem atritos. “Foi tudo muito tranqüilo. Somos, acima de tudo, brothers, amigos de longa data. O que aconteceu foi que cada um tem outros projetos pessoais e profissionais que estavam conflitando com os da banda”. Disse ainda que irá continuar com projetos musicais de antes como o Medialunas (com Liege Milk, do Loomer e Hangovers) e o Worldengine.

Andrio Maquenzi, Lucas Pocamacha, Diogo Macueidi e Marco Pecker deixam como legado os três ótimos discos, lançados entre 2006 e 2010, e a insatisfação em saber que bandas tão legais nascem e morrem no underground, tornando-se marcantes para alguns, mas desconhecida para tantos outros. É preciso repensar um cenário que não consegue comportar bandas como a Superguidis e tantas outras com enorme potencial para conquistar um grande público, mas que saem de cena sem o merecido sucesso. Se uma banda é reconhecidamente boa, lança grandes discos e faz ótimos shows, por que ela não consegue sobreviver fazendo música no Brasil? A culpa é do artista ou do cenário? Vale pensar nisso. E ouvir as músicas novas da Superguidis. Eles ainda tinham muita lenha pra queimar…

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