terça-feira, 2 de agosto de 2011

Um breve ensaio sobre a famigerada “atitude”


Texto originalmente publicado no Portal Iradio

Desde o início do rock’n roll, por volta dos anos 50, a palavra “atitude” é inerente ao estilo musical. Afinal, o caráter transgressor do gênero foi o que motivou sua existência. Quando começou, o rock rompeu padrões morais e garantiu um som que atendesse aos anseios da juventude, que até então compartilhava o gosto musical dos pais. Resumindo, os jovens, que antes ouviam junto com a família, comportadamente, músicas de Frank Sinatra e outros, viram em Chuck Berry, Bill Halley e no rebolante Elvis Presley algo que realmente traduzia o sentimento que tinham em relação ao mundo na época.

Dando um longo salto no tempo, chegamos a uma época em que a tão celebrada “atitude” perdeu totalmente o sentido. Para ilustrar, o CPM 22 já protagonizou uma propaganda de lâmina de barbear em que os integrantes da banda diziam algo como: “quem tem atitude usa essa marca!”. Isso sem contar o Chorão, do Charlie Brown Jr., talvez um dos maiores responsáveis pela banalização da palavra “atitude”.

Obviamente isso é uma análise simplista, por trás de todo percurso do desgaste do termo há uma forte lógica de mercado que rege diversos segmentos da indústria fonográfica. Como hoje tudo se vende, com a “atitude rock’n roll” a história não seria outra. Toda essa contextualização serve simplesmente para enumerar brevemente alguns exemplos de bandas e artistas que já tiveram atitude de fato, e não ficam apenas posando de subversivos. Importante ressaltar também, que a atitude a que se refere a coluna de hoje é ligada a proposta musical, a questão referente a ativismo político/social é tema para uma próxima vez.


Radiohead - Em 1997 o grupo britânico lançou Ok Computer, o disco que alavancou definitivamente a carreira da banda e é considerado como um dos albums fundamentais da década. Foi o momento em que o Radiohead viu o mundo pop aos seus pés, era a chance que tinham de seguir o caminho mais fácil, entregar discos mais do mesmo para os fãs e capitalizar muito em cima disso. Mas não. Em 2000 a banda decidiu simplesmente pirar e lançar seu disco mais complexo e anti-comercial até então, Kid A. Felizmente, fazendo justiça à decisão corajosa da banda, o disco foi ainda melhor em vendas que o anterior e deu fôlego ainda maior a carreira do grupo.


Bruce Springsteen – Situação semelhante a que aconteceu com o Radiohead ocorreu quase 20 anos antes com Bruce Spingsteen. Desde 1975, quando lançou o bem sucedido Born To Run, vinha colhendo os louros da fama. O duplo, The River, de 1980, vendeu 2 milhões de cópias. Até que, em 1982, surpreendeu a todos com o album Nebraska. Os fãs, acostumados com rocks de arena, se depararam com canções folk intimistas, levadas apenas com voz, violão e gaita. Bruce, que também era reconhecido por apresentações vigorosas, não realizou shows nesse período, preferiu usar o tempo para compor mais músicas.


Los Hermanos – Como representante nacional nessa pequena lista, o Los Hermanos é um bom exemplo a se citar. Depois do estrondoso sucesso radiofônico de Anna Júlia, seguida por Primavera, a banda se viu em uma situação complicada. Primeiro porque os dois singles não refletiam todo o som da banda, eram na verdade duas exceções no repertório. E ainda percebiam que não queriam trilhar nem o caminho das outras canções do disco. Foi quando apareceram com Bloco do Eu Sozinho, totalmente na contramão do disco anterior. Rock alternativo permeado com doses de samba e vários outros estilos. A gravadora, Abril Music, não gostou, devido ao caráter anti-comercial. O resultado de tudo isso é que o disco foi lançado, as vendas foram consideravelmente inferiores, mas a banda seguiu nesse caminho, conseguiu uma sólida carreira, influenciou dezenas de bandas independentes que não viam alternativa para os rumos do som que praticavam, e consolidou uma multidão de fãs fiéis como há muito não se via no rock brasileiro. 

Com esses exemplos caímos ainda em outra questão: o propósito de reinvenção da arte. Em tempos que a música é, definitivamente, um produto, a necessidade de se reinventar e se arriscar em novos caminhos é ainda mais urgente. Afinal, qual é a função do artista se ele não tiver o desprendimento necessário para abandonar seu porto seguro e buscar novos ares? qual é a graça da arte se o artista se limitar a sua zona de conforto? Desprendimento, coragem, reinvenção. Isso é atitude!

Nenhum comentário: