quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Pearl Jam ao vivo no Morumbi, São Paulo, 04/11/2011

foto: Karen Loria
Texto originalmente pulicado no Scream & Yell


Em dado momento do show do Pearl Jam na sexta-feira (04/11), em São Paulo, Eddie Vedder anuncia “I Gonna See My Friend”, música em que o vocalista berra a ponto de explodir. No meio da execução, em um verso de vocal intenso, Vedder desce uma oitava, cantando em tom grave. Os mais exigentes pensam de imediato: “Ele não é mais o mesmo”. No entanto, como que respondendo as dúvidas, o último refrão vem arrasador, com a voz dilacerando os ouvidos mais sensíveis. Pronto, as coisas estavam no lugar novamente, como de costume na carreira do Pearl Jam. Quando parece que tudo vai ruir, a banda surpreende e as coisas se encaminham mais uma vez.

Voltando no tempo, nos anos 90, quando o grunge se tornou um nicho de mercado, o Pearl Jam recusou “tomar o lugar” do Nirvana, após a morte de Kurt Cobain, entrando em reclusão comercial (nada de clipes e ações de marketing mirabolantes). Comprou briga com a empresa de distribuição de ingressos Ticketmaster, com quem não trabalhou de 1994 a 1998, dificultando significativamente as turnês. Quando percebeu a pirataria e o interesse dos fãs por bootlegs, o Pearl Jam teve a inusitada atitude de lançar 72 discos ao vivo entre 2000 e 2001.

Após o fundamental “Ten” (1991), “Vs.” (1993), que consolidou a sonoridade do grupo, “Vitalogy” (1994), “No Code” (1996) e “Yield” (1998), a banda entrou naquele período ingrato em que vê a necessidade de soar diferente, de “amadurecer”. Dessa fase vieram “Binaural” (2000) e “Riot Act” (2002), felizmente mais sombrios do que caretas. Em 2006, no entanto, quando era aguardado mais um álbum reflexivo, o Pearl Jam aparece com um disco homônimo, barulhento, vigoroso e remetendo ao início da carreira. O que se confirmou, e com ainda mais força, em 2009, com o ótimo “Backspacer”.

Cortando de volta ao show de São Paulo, antes da citada “Gonna See My Friend“, já haviam sido executadas sete músicas. O começo arrasa quarteirão foi com “Go”, que só havia sido tocada duas vezes na turnê atual, seguida de “Do The Evolution”, “Severed Hand”, “Hail Hail” e “Got Some”. Quando o show parecia um trem descarrilhado, surge uma bela pausa para respirar com “Elderly Woman Behind The Counter In A Small Town” e “Given To Fly”.

O show continua então com uma sequência que gradativamente vai trazendo o peso de volta: uma bela versão de “Wishlist”, com direito a um coro do público arrepiante no final, “Among The Waves”, “Setting Forth”, da carreira solo de Vedder, “Not For You” e, enfim, “Even Flow”. Com os ânimos exaltados, mais uma vez a banda dá meia volta e saca a balada “Unthought Known”, seguida das pedradas “The Fixer” e “Once”, e o fim do set normal foi com “Black”, que merece um capítulo a parte nessa história toda.

“Black” é a balada mais emblemática da carreira do Pearl Jam. Tocada, ainda hoje em dia, até pela banda do seu vizinho que tem como maior mérito se apresentar em festa de aniversário de amigos. É a música que aquela amiga, que não se importa muito, acha bonita (além de “Last Kiss”) e por isso diz que ama Pearl Jam, compra camiseta e tudo. “Se não tocarem nem vai fazer falta”, diz o fã orgulhoso de conhecer todos os b-sides possíveis da banda. No entanto, quando a execução de “Black” ia chegando ao fim, faltava camisa xadrez de flanela para enxugar as lágrimas dos grunge boys que cantarolavam o “tchururu” final como se não houvesse amanhã.

O Pearl Jam é uma banda que, mesmo com todo esforço em não se expor demasiadamente, alcançou um status curioso. Ao mesmo tempo em que é respeitada e idolatrada pelos órfãos do grunge, pode ser alinhada a bandas clássicas do rock mundial e ainda contar com grande apelo popular, a ponto de levar ao Estádio do Morumbi grande número de fãs de ocasião, que aguardaram a noite toda por “Black”, “Last Kiss” e se frustraram por não ouvir “Soldier Of Love”.

No primeiro bis, “Just Breath” e “Inside Job” introduzem calmamente a sequência encabeçada por “State Of Love And Trust”, a nova “Olé”, “Why Go” e “Jeremy”, que foi comemorada como um gol em final de campeonato, já que não havia sido tocada no show da noite anterior. O segundo bis começa, para a alegria de muitos, com a famigerada “Last Kiss”, em seguida uma versão longa e bonita de “Better Man”. “Spin The Black Circle” surge para colocar fogo no show novamente abrindo caminho para a clássica e sempre eficiente “Alive”, um cover tradicional do The Who, “Baba O’Riley” e o final redentor com “Yellow Ledbetter”, com os refletores do estádio acessos e o público em clima de celebração em família.

O Pearl Jam é uma daquelas bandas que gostam de desafiar a audiência. Quando pensam que o grupo vai dando sinais de fraqueza, lá está ele novamente surpreendendo. Que banda hoje em dia em cinco shows (a passagem pelo Brasil) toca 67 músicas diferentes? O tesão em tocar é nítido e talvez seja o ponto fundamental que garante a longevidade e o respeito que o grupo tem em diferentes nichos.

Kurt Cobain, contemporâneo de Eddie Vedder, viu na fama um monstro assustador e fez “Smells Like Teen Spirit”, o que só piorou as coisas. Vedder também sentia um desconforto e, ao invés de escrever sobre isso, escolheu a reclusão comercial, que de certa forma também não surtiu efeito. Não há como julgar essas escolhas como certas ou erradas. O que resta é que, felizmente, Eddie Vedder não seguiu o mesmo caminho do líder do Nirvana e pôde chegar aos 20 anos de Pearl Jam e continuar nos oferecendo momentos especiais… como este segundo show no Morumbi.


Leia no Scream & Yell sobre os outros shows do Pearl Jam no Brasil

2 comentários:

Alexandre - Condor disse...

Relato Magistral! Foi exatamente isso! Parabéns pelo ótimo texto, bem digno da fenomenal banda Pearl Jam!

Eduardo Martinez disse...

Pô, valeu cara! o show foi sensacional mesmo, inesquecível!